Os mercadores de livros e a leitura das ruas
Exatamente na esquina do teatro S. Pedro, há dez anos, Arcanjo, italiano, analfabeto, vende jornais e livros. É gordo, desconfiado e pançudo. Ao parar outro dia ali, tive curiosidade de ver os volumes dessa biblioteca popular. Havia algumas patriotadas, a Questão da Bandeira, o Holocausto, a d. Carmen de B. Lopes, a Vida do Mercador e de Antônio de Pádua, o Evangelho de um Triste e os Desafogos Líricos. Estavam em exposição, cheios de pó, com as capas entortadas pelo sol.
– Vende-se tudo isso?
– Oh! não. Há quase um ano que os tenho. Os outros sim – modinhas, orações, livros de sonhos, a História da Princesa Magalona, o Carlos Magno, os testamentos dos bichos.
Levantei as mãos para o céu como pedindo testemunho do alto. As obras vendáveis ao povo deste começo de século eram as mesmas devoradas pelo povo dos meados do século passado!
– Mas não é possível...
– Pode perguntar aos outros vendedores.
Atirei-me a esse inquérito psicológico. Os vendedores de livros são uma chusma incontável que todas as manhãs se espalha pela cidade, entra nas casas comerciais, sobe aos morros, percorre os subúrbios, estaciona nos lugares de movimento. Há alguns anos, esses vendedores não passavam de meia dúzia de africanos, espapaçados preguiçosamente como o João Brandão na Praça do Mercado. Hoje, há de todas as cores, de todos os feitios, desde os velhos maníacos aos rapazolas indolentes e aos propagandistas da fé. A venda não é franca senão em alguns pontos onde se exibem os tabuleiros com as edições falsificadas do Melro de Junqueiro e da Noite na Taverna. Os outros batem a cidade, oferecendo as obras. E há então toda uma gama de maneiras para passar a fazenda. Os mais atilados, os mais argutos, os mais incansáveis são os vendedores de Bíblias protestantes, com os bolsos das velhas sobrecasacas ajoujados de brochuras edificantes.
– Ó rapaz, por que não fica com esta Bíblia? Dou-lha por dez tostões. É o livro de Deus, onde estão as eternas verdades. E se ficar com ela, vai mais este volume de quebra sobre as feras que devoram o homem, as feras morais...
– Vende-se tudo isso?
– Oh! não. Há quase um ano que os tenho. Os outros sim – modinhas, orações, livros de sonhos, a História da Princesa Magalona, o Carlos Magno, os testamentos dos bichos.
Levantei as mãos para o céu como pedindo testemunho do alto. As obras vendáveis ao povo deste começo de século eram as mesmas devoradas pelo povo dos meados do século passado!
– Mas não é possível...
– Pode perguntar aos outros vendedores.
Atirei-me a esse inquérito psicológico. Os vendedores de livros são uma chusma incontável que todas as manhãs se espalha pela cidade, entra nas casas comerciais, sobe aos morros, percorre os subúrbios, estaciona nos lugares de movimento. Há alguns anos, esses vendedores não passavam de meia dúzia de africanos, espapaçados preguiçosamente como o João Brandão na Praça do Mercado. Hoje, há de todas as cores, de todos os feitios, desde os velhos maníacos aos rapazolas indolentes e aos propagandistas da fé. A venda não é franca senão em alguns pontos onde se exibem os tabuleiros com as edições falsificadas do Melro de Junqueiro e da Noite na Taverna. Os outros batem a cidade, oferecendo as obras. E há então toda uma gama de maneiras para passar a fazenda. Os mais atilados, os mais argutos, os mais incansáveis são os vendedores de Bíblias protestantes, com os bolsos das velhas sobrecasacas ajoujados de brochuras edificantes.
– Ó rapaz, por que não fica com esta Bíblia? Dou-lha por dez tostões. É o livro de Deus, onde estão as eternas verdades. E se ficar com ela, vai mais este volume de quebra sobre as feras que devoram o homem, as feras morais...
Os mercadores de livros e a leitura das ruas ( Texto adaptado para o gênero dramático)
(A cena acontece na esquina do teatro S. Pedro. Arcanjo é vendedor de jornais e livros, é um italiano analfabeto, gordo, desconfiado e pançudo)
JOSÉ: Bom dia senhor...
ARCANJO: Arcanjo! Mas pode me chamar de seu Anjo, é assim que me chamam por aqui.
JOSÉ: Estou curioso para saber o que há por aqui.
ARCANJO: Pois não.
JOSÉ: Vejo que há muitas obras patriotadas: Questão da Bandeira, o Holocausto. A Dona Carmem Lopes... (Os livros em exposição estão cheios de pó, com as capas entortadas pelo sol. José passa o dedo em algumas e demonstra insatisfação.) Vende-se tudo isso?
ARCANJO: Oh! Não. Há quase um ano que os tenho. Os outros sim _ modinhas, orações, livros de sonhos, a História da Princesa Magalona, o Carlos Magno, os testamentos dos bicho. (Arcanjo vai falando e mostrando cada obra. Ele sabe identificá-las pela apresentação e imagens da capa.)
JOSÉ: (levanta as mãos para o céu como pedindo testemunho de Deus) É impressão minha ou o senhor não sabe ler?
ARCANJO: Não é impressão não senhor. Eu realmente não sei ler.
JOSÉ: Deixa isso pra lá. Mas as obras que o senhor vende para o povo são as mesmas do século passado! Não é possível uma história dessas.
ARCANJO: Pode perguntar aos outros vendedores.
JOSÉ: Tenho notado que a os vendedores de livros se espalharam pela cidade!
ARCANJO: É verdade! Há alguns anos não passava de meia dúzia de africanos. Hoje há de todas as cores, de todos os feitos,desde os velhos maníacos aos rapazolas indolentes e aos propagandistas de fé.
JOSÉ: A venda de livros só não é franca onde se exibem tabuleiros com edições falsificadas da Noite na taverna.
ARCANJO: Isso também é verdade senhor. Todos os outros batem a cidade, e fazem qualquer negócio para vender seus livros.
JOSÉ: Os mais incansáveis são os vendedores de bíblias (Assim que ele diz isso, passa um vendedor de bíblia e se dirige ao senhor José)
VENDEDOR DE BÍBLIA: Ó senhor, por que não fica com esta bíblia?Dou-lhe por R$ 40,00.
É o livro de Deus, onde estão as eternas verdades. E se ficar com ela, vai mais este volume de quebra sobre as feras que devoram o homem, as feras morais... (O vendedor fala bem alto e rápido)